Especial: Entenda como ocorreu o colapso da merenda em creches e escolas de Laguna

O Sul SC traz, neste mês de lançamento do Portal e em sua primeira edição impressa na história, uma reportagem especial sobre a falta da merenda escolar em praticamente todos os 21 Centros de Educação Infantil (CEIs) e escolas da rede municipal de ensino.

O colapso gerado por uma eventual má administração do erário de R$ 1.080 milhão no ano voltado à compra de insumos alimentícios para o preparo da merenda das crianças e adolescentes, pode ter sido a principal causa de uma avalanche de reclamações pais, estudantes, professores, além da geração de alguns ofícios, visitas técnicas e pedidos de explicações por parte do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e Controladoria-Geral da União (CGU) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), uma autarquia vinculada ao Ministério da Educação que tem propósito em transferir recursos financeiros e prestar assistência técnica aos Estados, municípios e ao Distrito Federal, para garantir uma educação de qualidade a todos.

Mas como ter uma educação de qualidade com a barriga vazia? Essa pergunta tem sido feita em Laguna nos últimos 90 dias. A cidade é a terceira mais antiga em terras catarinenses, é polo em pesca e no turismo, tem dezenas de construções tricentenárias tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), possui o maior Carnaval disparado do Estado, chegando a receber cerca de 400 mil visitantes nos cinco dias e cinco noites da Festa de Momo, além de ser a sede de um dos Réveillons mais bonitos do Brasil, na badalada Praia do Mar Grosso. Com tantos atributos e potencial de crescimento gigantesco, por que a conhecida Terra de Anita Garibaldi passou ou continua passando por tantas dificuldades na simples missão de preparar a merenda em suas creches e escolas?

Nossa reportagem ouviu, nos últimos dias, pais, professores, representantes do Conselho de Alimentação Escolar (CAE) e da prefeitura, para entender o motivo deste problema, de responsabilidade direta do prefeito Samir Ahmad, que pode, inclusive, responder ação civil pública do MP.

A começar pelo processo licitatório da compra de insumos, que normalmente deve ocorrer sempre no fim de cada ano letivo – assim que é fechado o número de discentes -, prospectando o seguinte, mas nas últimas temporadas é feito entre fevereiro e abril. Atualmente, o Sistema Municipal de Ensino de Laguna atende aproximadamente 2,3 mil estudantes em 21 locais, e conta com mais de 450 profissionais entre professores e funcionários. Em todas as cidades e Estados do Brasil, a Pasta da Educação é a maior e, portanto, a mais complexa em gerir. No entanto, se o trabalho é seguido à risca em seus prazos devidos e contratuais, não há tantos segredos em sua funcionalidade.

Primeiras denúncias graves

O Sul SC entrevistou a presidente Sindicato dos Servidores Públicos de Laguna, Ingrid Gorla. Ela informa que as primeiras acusações ocorreram no Sindicato, feitas por professores e merendeiras de várias escolas. “Isto ocorreu no dia 4 de agosto, quando vieram nos perguntar se estava acontecendo algo na prefeitura e, então, protocolaram algumas reclamações. Representantes da Secretaria de Educação disseram que as próprias merendeiras não sabiam preparar. Isto é um absurdo, querendo culpar essas servidoras! Temos duas nutricionistas afastadas desde o dia 13 de julho, conforme instauração de Processo Disciplinar por parte da prefeitura, mas até agora não sabemos o real motivo. A nossa secretária (Educação, Juliana Fagundes) não assumiu os erros. Para a secretária, sinceramente, nunca faltou merenda. Ela não aceita que há problemas”, alerta Ingrid.

Tal Processo Disciplinar, de número 12/2023, tinha um prazo máximo para conclusão em 13 de setembro. Questionamos Juliana acerca dos resultados, mas ela não respondeu. Os servidores Rômulo Müller Bratti, Mariane Vicente Zapelini e André Vargas Laureano compõem a comissão julgadora de apuração dos fatos acerca do afastamento das nutricionistas, que eram admitidas em caráter temporário (ACTs).

CAE

Para que a população possa entender o que ocorreu e o que o assunto ainda poderá refletir é importante saber que existe, em quase todos os 5.568 municípios brasileiros, os Conselhos de Alimentação Escolar (CAEs) – que representam a sociedade, criados em 1994, por meio da Lei nº. 8.913/1994, sucedida pela Lei 11.947/2009, a qual estabeleceu que o recurso do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) somente fosse repassado às entidades executoras que tivessem CAE em funcionamento.

Cronologia dos fatos; visitas técnicas

Então, uma semana antes do início do recesso escolar de julho deste ano, conselheiros do CAE, que em Laguna é formado por sete voluntários (representantes dos pais, de órgão não governamental, da entidade executora – Secretaria Municipal de Educação – e da prefeitura), começaram a notar uma contenção de insumos em algumas unidades. “Imaginamos que seria porque as aulas iriam parar por alguns dias devido ao recesso, então não estariam encaminhando aos CEIs e escolas para não estragar, então não chegamos a constatar nada oficial. No entanto, assim que reiniciaram as aulas, algumas merendeiras, professoras e até alunos começaram a reclamar de despensas vazias ou com poucos produtos (insumos), e falta total de produtos da agricultura familiar. Então, no dia 14 de agosto, fizemos uma vista técnica em cinco creches, e foi aí que constatamos uma série de problemas, além de termos notado que até junho, do montante de R$ 1.080 milhão necessário para o ano, R$ 911 mil já tinham sido gastos pela entidade executora (Secretaria). Foi quando notamos que a falta de alimento seria certa”, recorda a presidente do CAE, Sílvia da Silva Campos.

A vice-presidente da entidade fiscalizatória, Simone Belmiro, informa que a primeira visita técnica foi realizada a partir de um ofício despachado ao CAE no dia 9 de agosto, do Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Laguna. “Cinco dias depois, constatamos a situação de contenção de alimentos nos CEIs Pequeno Príncipe, Padre Agostinho, CEI Bairro Progresso, CEI Irmã Vera e CEI Pequeno Príncipe. Neste mesmo dia, em 14 de agosto, geramos um relatório e encaminhamos à Câmara de Laguna, que também é órgão fiscalizador. E foi nesta data também que a Secretaria de Educação afirmou que esta questão seria uma fake news, após uma postagem (no mesmo dia), por um vereador, em rede social de uma foto da despensa vazia em uma escola. A responsável da Pasta chegou a mandar um ofício no dia 14/8, que foi lido na Casa Legislativa. “Foi um dia bem movimentado no município, e quando iniciou todo entrave rebatido erroneamente pela prefeitura”, emenda Simone. “Não poderíamos deixar o ente gestor geral, no caso a municipalidade, dizer que uma verdade era mentira, então mandamos este relatório não só à Câmara, como ao MP. No dia 17 de agosto, fizemos outras visitas técnicas e, novamente, constatamos irregularidades e uma contenção de alimentos devido à escassez de insumos”, detalha Sílvia.

3 bolachas de água e sal e uma banana

Este foi um dos lanches que os adolescentes disseram receber na hora do recreio em uma grande unidade de Laguna. “Isto dá somente uma mordida, é um absurdo”, reclama o pai de um aluno. Meu filho é adolescente, está em fase de crescimento, e deram três bolachas de água e sal para ele na escola. Isso é lamentável, é humilhação.

Conselho sem repostas

“Dia 21 de agosto foi encaminhado um e-mail pedindo informações à prefeitura para que possamos responder oficialmente ao FNDE, que cobra explicações desta possível má gestão do recurso público voltado à compra de insumos para a merenda. Existe uma indisposição da municipalidade em fornecer os motivos dos problemas, infelizmente”, lamenta Sílvia.

Nos próximos dias, a promotora de justiça de Laguna, Bruna Gomes Gonçalves, pode se pronunciar acerca dos fatos resultantes nesta possível falha de gestão do erário do FNDE aplicado em Laguna por meio do Pnae. O Sul SC contatará a representante do Ministério Público e trará uma entrevista completa sobre quais passos legais podem ser adotas frente ao colapso da merenda denunciado pela CAE, Sindicato, pais, estudantes, professores, representantes da Câmara e servidores gerais da rede de ensino municipal.

O que diz a prefeitura?

Lógico, ouvimos a responsável pela Secretaria de Educação de Laguna, Juliana Fagundes, que explicou a relocação da dotação orçamentária de outros departamentos da sua Pasta, no valor total de R$ 390 mil, à merenda. É um processo comum, a dotação, que é esse planejamento financeiro feito de um ano para o outro pela prefeitura, foi feito em agosto do ano passado, então até mesmo pela licitação, pelos reajustes dos itens, os preços dos itens, os insumos que nós utilizamos para a melhoria escolar, o aumento no custo desses itens, como também o maior número de alunos na rede, até ultrapassando o que nós imaginávamos, fez com que a gente necessitasse fazer essa reorganização quanto à dotação. Mas isso é uma ação natural da gestão pública, que todas as prefeituras têm essa”, detalha.

Em relação à falta de merenda, ela reconhece o problema e informa que foi feita uma auditoria interna e foi necessária uma reorganização, pois, segundo Juliana, denotava, por meio dos dados, um possível desperdício na alimentação.

Receba outras notícias pelo WhatsApp. Clique aqui e entre no grupo do Sul SC.

RECOMENDADAS PARA VOCÊ​

Scroll to Top