Kit Bucal, Kit da Dengue e agora Kit do Hóquei. Laguna se transformou na Capital Nacional dos Kits, pelo menos é o que a própria população afirma, e Legislativo e Judiciário investigam, e uma informação, no mínimo bizarra, veio à tona nesta semana, sobre uma licitação, iniciada em 2022 e empenhada neste ano, e que seria faturada à empresa Guarani Soluções Pedagógicas LTDA., no valor global de R$ 1,9 milhão (R$ 1.874.489,75), que iria distribuir, entre os livros e materiais esportivos voltados à disciplina de Educação Física, além de ofertar capacitações, um conteúdo de hóquei, um esporte que é praticado geralmente em países aonde o inverno é muito rigoroso e se tem neve e temperaturas congelantes, o que todos sabem, não é o caso de Laguna.

A vencedora da então licitação milionária tinha como propósito instituir o Projeto Hóquei Júnior, que mantém em seu Grupo, a Guarani Sports, nas escolas da prefeitura de Laguna. No seu site, a licitada descreve: “Há quatro mil anos, os egípcios criaram o hóquei. Hoje, o Programa Cultivar democratiza o esporte por meio do Projeto Hóquei Júnior, que conta com metodologia avançada para ensino e aprendizagem do esporte educacional, aproximando alunos e professores da modalidade de forma lúdica e inclusiva”. O problema é que apesar de a intenção não ser construir uma pista de gelo, mas sim atuar em ginásios, a rede municipal de ensino não oferece tal espaço adequado para a prática, muitas unidades têm apenas quadras que nem cobertas são e outras, como a da Escola Comandante Moreira, na comunidade de Campos Verdes, o mato divide espaço entre as frestas da quadra castigada de concreto e goleiras fantasmas.

A ‘bola murcha’ realçada nesses tipos de situações encabeçadas pela gestão do prefeito Samir Ahmad e Rogério Medeiros resultou na instauração de sindicâncias abertas pela sua própria equipe, outas pelo Sindicato dos Servidores Públicos de Laguna, em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara de Vereadores, a qual poderá destituir o atual mandatário do Executivo, além de Ação Civil Pública (ACP) pela promotoria local.

Outra situação delicada registrada neste ano, e também na Pasta da Educação, então comandada pela ex-secretária Juliana Fagundes de Carvalho Luz, foi a falta ou escassez de merenda em creches e escolas ainda no primeiro semestre, fato que resultou, inclusive, em investigação do Ministério Público Federal (MPF), já que envolve recurso da União, além de sindicância aberta pelo Conselho Municipal de Alimentação Escolar (CAE), como disse, com exclusividade ao Sul SC em setembro, a presidente do CAE, Sílvia da Silva Campos. Entenda mais aqui: https://acesse.dev/sul-com.

TCE abre investigação do Kit Bucal
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) também investiga o tal Kit Bucal, adquirido pela Secretaria Municipal da Saúde de Laguna por um valor superquestionável de quase R$ 600 cada, destinado a pouco mais de dois mil estudantes, somando um valor superior de R$ 1,2 milhão pagos à novíssima empresa Bella Lousa Projetos Educacionais e Pedagógicos LTDA., que por coincidência foi fundada no primeiro ano de gestão de Samir (2021) e é de Laguna, e teria, segundo apontam as investigações da própria CPI e outros órgãos fiscalizatórios, ligação com um ex-presidente da Câmara e nome empresarial forte na cidade, Roberto Carlos Alves. Apesar de ter apenas dois anos de mercado, a Bella Lousa teria vencido licitações para os mesmos fins em diversos outros municípios do Estado, com um provável apoio de legisladores da Alesc e do Congresso, e que tal pressão teria sido feita também em Laguna. Com isso, além de a investigação se concentrar nos municípios, a fonte do recurso (emendas) também será minuciosamente inquirida, podendo ter nomes deputados (estaduais e federais) e até senadores envolvidos em um possível esquema de licitação direcionada e superfaturada.

O relator do processo no TCE é o experiente conselheiro Luiz Roberto Herbst, que está no cargo desde o ano 2000, é ex-deputado estadual e ex-vereador em Mafra. Herbst é um dos mais atuantes do Tribunal, ele já passou por cargos-chaves na instituição, como a presidência da Casa em 2011, 2015 e 2016, a vice-presidência entre 2012 e 2014, foi corregedor-geral entre 2007 e 2010 e atuou na supervisão do Instituto de Contas nos anos de 2005 e 2006.

Precisa gastar a emenda…
Sobre o Kit Hóquei, a gestão detinha um recurso de R$ 400 mil, provindo de emenda parlamentar – transferência especial nº 1.381/2023 – e precisava colocar em prática o seu gasto, então decidiu usar como parte do pagamento pelos serviços apresentados pela vencedora da licitação no pregão 53/2022. A empresa iria enviar apenas nove kits esportivos com valor unitário de R$ 48.235,66, portanto, preço total devido ao credor (Guarani Soluções) de R$ 434.120,94. “Este alto valor cobrado por kit nos chamou muito a atenção”, resume a presidente do Sindicato dos Servidores Públicos de Laguna, Ingrid Gorla. “Foi então que fomos buscar os motivos e quais produtos compunham o kit. Descobrimos muitas coisas e uma comissão investigatória foi iniciada”, adianta Gorla.

Kit de quase R$ 50.000,00
O memorando 12.695/2023, assinado às 14h16 de 27 de julho deste ano, por Stefhy Kaleine Marcos Gonçalves, do Departamento de Controle e Avaliação e também representante da Comissão de Acompanhamento PDDE e Ações Articuladas da Secretaria de Educação e Esportes, remitido à secretária à época, Juliana, solicitava, com urgência, a autorização de fornecimento de tais kits, pois os mesmos compunham “o projeto educacional que visa melhorar a qualidade da aprendizagem nas escolas públicas municipais”, resumiu Stefhy no documento. No entanto, o material que seria adquirido não estava no conhecimento didático dos professores lagunenses, justamente por ser algo sobre hóquei, um esporte prático no gelo. Além disso, dificilmente comportaria o atendimento em todas as unidades de ensino fundamental, já que eram apenas nove kits com valor surreal unitário de quase R$ 50 mil.

O que diz o atual secretário da Educação?
Atualmente, o sistema municipal de ensino de Laguna atende cerca de 2,3 mil estudantes em 21 unidades, e conta com mais de 450 profissionais entre professores e funcionários. Em todas as cidades e Estados do Brasil, a Pasta da Educação é a maior e, portanto, a mais complexa em gerir. Quem encarou tal desafio na Terra de Anita, apesar da série de problemas neste mandato, e muitas atenções voltadas a si, é o professor de Educação física e árbitro profissional de futebol, Carlos Felipe Schmidt, o Tixa, que se defende: “Não tive contato com tal licitação e não passou nada por minhas mãos sobre esses kits desde quando assumi, então não posso falar sobre”, resume o secretário, que está no cargo há cerca de dois meses. Houve algumas situações de responsabilidade da antiga gestora da Pasta que parece ter levantado suspeitas, mas já estão analisando. Aí esta questão é com ela”, aponta Tixa.

O Sul SC tentou contato com o prefeito e sua assessoria, solicitando uma agenda para entrevista presencial sobre um balancete do ano de 2023 e esta série de acusações que envolvem a sua maior secretaria, a da Educação e Esportes, mas não houve retorno. Os tais kits não teriam sido faturados ao credor e o ato foi impedido a tempo, segundo Ingrid e uma servidora efetiva responsável por esta área de pagamento.