Lagunense e leitores do portal Sul SC, abordaremos um pouco sobre a sessão na Câmara dos vereadores do dia 8 de janeiro, a partir de uma perspectiva ideológica. Peço que você tente esquecer um pouco da polarização entre esquerda e direita para perceber as nuances do jogo político.
Primeiro, falaremos sobre os três tripés ideológicos: Social Democrata, Conservador e Liberal. Tais explicações estão fundamentadas nos ensinamentos de Marcelo Vitorino.
A ideologia social democrata defende as liberdades civis, a democracia representativa, a proteção do estado ao cidadão, segurança social e assistência social gratuita em setores como saúde, educação, segurança e justiça. Podemos exemplificar as pautas com as cotas para equilíbrio de desigualdades, programas de transferência de renda (bolsa família, minha casa minha vida, etc) e tributação de grandes fortunas.
Já a ideologia conservadora defende a concentração do poder, os valores morais e tradicionais, a preservação da ordem social e moral e os valores nacionalistas. Alguns exemplos: volta da monarquia, proibição de matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, proibição do aborto e contra políticas migratórias.
Agora, sobre a ideologia liberal, ela defende a liberdade do indivíduo, os direitos individuais, igualdade perante a lei, proteção à propriedade privada e o livre comércio. Vamos aos exemplos: limitação e redução de gastos públicos, Estado Mínimo (a mínima interferência dos Governos na vida do cidadão), direito à posse de armas, fim de todos os tipos de cotas bem como programas sociais e assistencialistas.
Você percebeu a facilidade em se identificar com ideias dessas três linhas de pensamento político? Em tese, é possível resumir que um Estado Social Democrata protege o cidadão, o Estado Conservador manda e o Estado Liberal pouco se importa.
A partir dessas ideias, analisaremos sob a perspectiva ideológica o que aconteceu na sessão da Câmara de Laguna, na segunda-feira (8), quando foi votado o relatório da CPI que investigava a compra dos kits dos dentinhos.
Importante destacar que a cobrança pelos esclarecimentos desta licitação atende mais as ideias Social Democrata e Conservadora do que a Liberal. Afinal, uma ideologia que defende o fim de programas sociais nem pensaria em fazer essa aquisição.
Durante a votação do Relatório, um oficial de justiça entregou ao Presidente da Câmara, vereador Hirã (MDB), a intimação da liminar que suspendia a sessão. O Presidente, de forma inteligente, continuou a votação, mas seis vereadores deixaram o plenário. Analisaremos os vereadores em bloco partidário.
O vereador Edi Goulart, presidente da CPI e réu na ação movida pelo Prefeito, foi eleito pelo PSD (Partido Social Democrático), mesmo partido do vice Rogério Medeiros. Duas das diretrizes iniciais do partido chamam atenção:
1) O PSD será também intransigente na condenação e denúncia pública da corrupção e dos malfeitos. Está ao lado da sociedade, do trabalhador, dos jovens, da família brasileira que exigem respeito ao dinheiro público e comportamento ético, coerência e honestidade de seus governantes e da classe política;
2) O exercício da política tem de ser responsável, transparente, não comporta conluios, conchavos ou sombras.
A partir desses elementos, é possível inferir que o vereador não tem noção da corrente ideológica partidária, muito menos das diretrizes do próprio partido. Além disso, parece ser conivente com a corrupção e todas as irregularidades da licitação dos kits dos dentinhos. Afinal, um vereador que vê problema no relatório, mas não na licitação, com certeza não é um social democrata.
Os vereadores Dudu Carneiro e Nádia Tasso foram eleitos pelo União Brasil. Dentre os princípios do partido, destaco o 14 e o 36:
14) Fortalecimento do SUS. Nosso Sistema Único de Saúde é um dos maiores legados da Constituição de 1988, fruto de uma visão ambiciosa e profundamente humanitária;
36) Respeito ao cidadão e excelência na prestação do serviço público.
Apesar de ser um partido Liberal, alguns princípios do União Brasil mostram convergência na elucidação dos casos dos kits. No entanto, os vereadores pouco se importaram com a questão, até comemoraram quando o Prefeito “conseguiu” suspender a sessão. Pouco sabem sobre a ideologia do próprio partido e fazem de tudo para defender os agentes desse absurdo.
Os vereadores Maninho da Barra e Jaleel Laurindo foram eleitos pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). Pelo nome do partido é possível pensar que os vereadores não conhecem as ideias dessa vertente. O art. 2º do Estatuto do PSDB dispõe:
“O PSDB tem como base a democracia interna e a disciplina e, como objetivos programáticos, a consolidação dos direitos individuais e coletivos; o exercício democrático participativo e representativo; a soberania nacional; a construção de uma ordem social justa e garantida pela igualdade de oportunidades; o respeito ao pluralismo de idéias, culturas e etnias; às diferentes orientações sexuais e identidades de gênero e a realização do desenvolvimento de forma harmoniosa, com a prevalência do trabalho sobre o capital, buscando a distribuição equilibrada da riqueza nacional entre todas as regiões e classes sociais.”
Ao que parece, ao abandonar o plenário, os vereadores também deixaram de lado os objetivos do exercício democrático e representativo, bem como a construção de uma ordem social justa. Naquele momento, deixar de ouvir a vontade do povo por conta de uma decisão judicial feita às pressas e mal redigida representa mais uma ação republicana do que democrática. Além disso, relativizar o que foi levantado nas investigações da CPI indicam a destruição de uma ordem social justa.
Por fim, o vereador Didi, suplente do PL (Partido Liberal). Por nomenclatura, o partido nem deveria se preocupar com essa questão. No entanto, o PL é mais conservador do que se imagina. Além disso, uma das diretrizes do programa do partido é defender o SUS:
“A problemática da saúde é extremamente complexa e com inúmeras variáveis intervenientes. O Brasil conta com o Sistema Único de Saúde (SUS) que é, sem dúvida, um grande avanço e conquista do cidadão brasileiro. O Brasil deve avançar no fortalecimento do SUS, buscando garantir sua universalização, descentralização, humanização e democratização de seus serviços. Bem como investir em outros programas importantes que também precisam ser continuados e consolidados.”
Como se já não bastasse essa diretriz, o próprio PL (assim como o PSDB) orientaram os votos dos vereadores pela aprovação do relatório da CPI, o que não aconteceu. Assim, fica claro que o vereador Didi não respeita as orientações partidárias, não se esforça pelo fortalecimento do SUS, defende a relativização das investigações da Câmara e ainda xinga a população da cidade.
Caros leitores, perceberam todos os problemas levantados aqui? Os seis vereadores que abandonaram o plenário na segunda-feira (8) não fazem ideia dos partidos que representam, ou simplesmente não ligam.
Ao final de tudo, penso que uma forma de dividir as possibilidades de atuação política se resume naqueles que se preocupam com o povo, e naqueles que se preocupam com o próprio umbigo. É possível pensar que os vereadores citados aqui enxergam o Município como um grande balcão de negócios, e quem paga o pato é a população.